Nosferatu (2024)

Minha Crítica: Nosferatu (2024) – A Sombra de Robert Eggers Sobre o Vampiro Eterno

Mais de um século após o icônico Nosferatu: Eine Symphonie des Grauens (1922), de F.W. Murnau, e quase meio século depois da reinterpretação de Werner Herzog, o cineasta Robert Eggers assume a tarefa monumental de revisitar o vampiro mais grotesco e primordial do cinema. Nosferatu (2024) é, ao mesmo tempo, uma reverência ao expressionismo alemão, uma expansão do mito gótico e uma exploração profundamente autoral das obsessões humanas e do mal encarnado. Com um elenco estelar liderado por Bill Skarsgård, Lily-Rose Depp e Nicholas Hoult, e uma estética visual que se tornou marca registrada de Eggers, o filme é uma obra que impressiona, perturba e, por vezes, desafia as expectativas. Mas será que essa nova iteração consegue se destacar como uma reinvenção ousada ou permanece à sombra de seus predecessores? Vamos dissecar essa jornada sombria.

A Atmosfera: Um Pesadelo Visual e Sonoro

Robert Eggers é conhecido por sua obsessão com a autenticidade histórica e a criação de atmosferas opressivas, e Nosferatu não é exceção. Ambientado na Alemanha de 1838, o filme mergulha o espectador em um mundo de superstições, sombras e decadência. A fotografia de Jarin Blaschke, colaborador habitual de Eggers, é um dos grandes trunfos da obra. Filmado em 35mm com uma paleta dessaturada, o visual evoca tanto o cinema mudo quanto as pinturas românticas do século XIX, com tons de cinza, azul e vermelho sangue que reforçam o clima de melancolia e terror. Cenas como a silhueta de Orlok projetada contra as paredes de Wisborg ou a caminhada de Thomas Hutter por uma floresta coberta de neve são de uma beleza hipnótica, quase como quadros vivos.

O design de produção é igualmente meticuloso. O Castelo de Corvin, na Transilvânia, serve como um cenário perfeito para o lar de Orlok, com seus arcos góticos e corredores em ruínas que parecem pulsar com uma energia maligna. A cidade alemã de Wisborg, por sua vez, é claustrofóbica, com ruas estreitas e casas que parecem engolir a luz. Cada elemento – dos figurinos de época às velas tremeluzentes – contribui para a imersão total.

A trilha sonora de Robin Carolan é outro destaque. Longe dos clichês do horror, Carolan opta por uma abordagem minimalista e melancólica, com cordas dissonantes e coros etéreos que amplificam a sensação de desconforto. A música não apenas acompanha a narrativa, mas parece emanar do próprio Conde Orlok, como se sua presença infectasse o som ao seu redor. O uso de efeitos práticos, como os 5.000 ratos treinados que simbolizam a peste trazida pelo vampiro, reforça a fisicalidade do horror, tornando-o mais visceral.

A Narrativa: Entre o Clássico e o Contemporâneo

O enredo de Nosferatu (2024) segue a estrutura básica do original, mas com toques modernos que refletem a sensibilidade de Eggers. Thomas Hutter (Nicholas Hoult), um agente imobiliário, é enviado aos Cárpatos para negociar a compra de uma propriedade com o Conde Orlok (Bill Skarsgård). Desavisado, Thomas logo percebe que seu cliente é uma criatura das trevas, cuja obsessão por Ellen (Lily-Rose Depp), a esposa de Hutter, desencadeia uma onda de horror em Wisborg. A trama mantém os elementos centrais do filme de 1922, como o magnetismo sobrenatural entre o vampiro e sua vítima, mas aprofunda os temas de solidão, desejo reprimido e a luta contra forças incontroláveis.

Eggers, que também assina o roteiro, injeta uma camada de complexidade psicológica ausente no original. Ellen, em particular, é reimaginada como uma protagonista mais ativa e trágica. Longe de ser apenas uma vítima, ela é uma mulher atormentada por sonhos premonitórios e desejos conflitantes, que a conectam a Orlok de maneira quase erótica. Essa abordagem sensual, explorada com sutileza nas cenas de possessão e delírio, eleva o filme acima do simples terror, transformando-o em um melodrama gótico sobre a atração pelo proibido. A crítica social também está presente, especialmente na representação da “histeria” de Ellen, que reflete o tratamento misógino dispensado às mulheres com problemas mentais no século XIX.

No entanto, a narrativa não está isenta de falhas. Com 2 horas e 12 minutos, o filme sofre com um ritmo desigual. Algumas cenas, como as interações de Thomas com os habitantes locais da Transilvânia, se arrastam, enquanto outras, como o clímax em Wisborg, parecem apressadas. A expansão da mitologia do vampiro, com referências ao folclore do Leste Europeu, é fascinante, mas por vezes confusa, deixando algumas perguntas sem resposta. Comparado aos trabalhos anteriores de Eggers, como A Bruxa (2015) e O Farol (2019), Nosferatu parece menos coeso, como se o peso de adaptar um clássico tivesse comprometido a clareza da visão do diretor.

As Atuações: Um Elenco em Sintonia com o Gótico

O elenco de Nosferatu é um dos seus maiores acertos. Bill Skarsgård, conhecido por interpretar Pennywise em It: A Coisa, entrega uma performance irreconhecível como Conde Orlok. Sob camadas de maquiagem impressionantes (que levaram 9 horas para serem aplicadas), Skarsgård cria um vampiro que é ao mesmo tempo aterrorizante e pateticamente humano. Sua voz, trabalhada minuciosamente durante semanas, é grave e gutural, evocando uma criatura que não pertence ao mundo dos vivos. Orlok, nesta versão, é menos um demônio e mais um predador movido por um desejo insaciável, cuja obsessão por Ellen beira o trágico. Cada aparição do vampiro é carregada de magnetismo, especialmente nas cenas em que ele se move como uma sombra, desafiando as leis da física.

Lily-Rose Depp, como Ellen Hutter, é a alma do filme. Sua atuação combina fragilidade e intensidade, capturando a dualidade de uma mulher dividida entre o dever matrimonial e a atração pelo desconhecido. As cenas de possessão, em que Ellen parece lutar contra seu próprio corpo, são impressionantes, exigindo um domínio físico que Depp executa com maestria. Sua química com Skarsgård é palpável, mesmo que os dois compartilhem poucas cenas juntos, reforçando o tema do magnetismo sobrenatural.

Nicholas Hoult, como Thomas Hutter, oferece uma performance sólida, mas menos memorável. Seu personagem, um homem comum pego em circunstâncias extraordinárias, serve como âncora para a narrativa, mas carece da profundidade de Ellen ou Orlok. Aaron Taylor-Johnson, como Friedrich Harding, e Willem Dafoe, como o excêntrico Professor Albin Eberhart Von Franz, trazem carisma aos papéis secundários, com Dafoe roubando cenas com sua mistura de humor e gravidade. Emma Corrin, Ralph Ineson e Simon McBurney completam o elenco com atuações competentes, embora seus personagens tenham menos espaço para brilhar.

O Legado: Uma Releitura que Honra, mas Não Supera

Nosferatu (2024) é, sem dúvida, uma das adaptações mais ambiciosas do clássico de Murnau. Eggers honra o original ao preservar sua essência expressionista e sua atmosfera de pavor, mas também imprime sua própria marca, com uma abordagem que combina horror psicológico, melodrama e crítica social. A decisão de filmar em locações reais, como o Castelo de Corvin, e de usar efeitos práticos, como os ratos e a maquiagem de Orlok, reforça o compromisso do diretor com a autenticidade.

No entanto, o filme não alcança a mesma força eloquente do original ou a beleza austera do remake de Herzog (1979). Parte disso se deve às expectativas elevadas: Eggers, com apenas quatro longas-metragens, já é considerado um mestre do horror, e Nosferatu carrega o peso de ser sua obra mais comercial até agora. Comparado a A Bruxa ou O Farol, que são mais originais e coesos, Nosferatu parece menos inovador, como se Eggers estivesse preso entre a reverência ao clássico e o desejo de criar algo novo. A falta de uma novidade radical, como a que Luca Guadagnino trouxe a Suspiria (2018), faz com que o filme, embora excelente, não transcenda seus predecessores.

Minhas Considerações Finais

Nosferatu (2024) é um espetáculo gótico que combina beleza, horror e melancolia em doses generosas. Robert Eggers prova mais uma vez sua habilidade em criar mundos imersivos e personagens complexos, enquanto Bill Skarsgård e Lily-Rose Depp entregam performances que elevam o material. Apesar de suas falhas – um ritmo desigual e uma narrativa que nem sempre encontra seu foco –, o filme é uma experiência cinematográfica inesquecível, especialmente em uma sala de cinema, onde sua grandiosidade visual e sonora pode ser plenamente apreciada.

Para os fãs de Eggers e do horror gótico, Nosferatu é uma obra-prima imperfeita, que respeita o legado do original enquanto explora novas facetas do mito do vampiro. Para aqueles que esperavam uma reinvenção radical, o filme pode parecer um exercício de estilo, belo, mas não revolucionário. Ainda assim, sua capacidade de hipnotizar, perturbar e emocionar faz dele um dos grandes filmes de terror de 2024.

Nota: 4/5

O filme perde um ponto por sua falta de coesão narrativa e inovação em relação aos predecessores, mas sua ambição e execução técnica são dignas de aplausos.

Segunda Temporada de The Last of Us Foi um Fiasco?


Minha Crítica: A Segunda Temporada de The Last of Us – Uma Jornada Intensa, mas Desigual

A segunda temporada de The Last of Us, exibida pela HBO entre abril e maio de 2025, chegou com o peso de suceder uma estreia aclamada, que em 2023 redefiniu o padrão para adaptações de videogames. Baseada na primeira metade de The Last of Us Part II (2020), a nova temporada mantém a ambição visual e emocional da série, mas tropeça em escolhas narrativas que diluem o impacto de sua história complexa e, por vezes, ousada. Com sete episódios, a temporada explora temas como vingança, trauma e a fragilidade da humanidade em um mundo pós-apocalíptico, mas deixa a sensação de que poderia ter sido mais corajosa e coesa. A seguir, mergulho nos acertos, falhas e nuances dessa jornada, com spoilers leves (devidamente sinalizados quando necessário).

Contexto e Expectativas

A primeira temporada de The Last of Us conquistou críticos e público ao traduzir a narrativa íntima do jogo original para a televisão, com atuações memoráveis de Pedro Pascal (Joel) e Bella Ramsey (Ellie), uma direção impecável e uma cenografia que trouxe à vida o mundo devastado pela infecção fúngica. A segunda temporada, inspirada em The Last of Us Part II, enfrentava um desafio maior: adaptar um jogo conhecido por sua narrativa polarizante, que divide a perspectiva entre Ellie e Abby, e por decisões ousadas que subvertem expectativas. Com Craig Mazin e Neil Druckmann novamente no comando, a expectativa era que a série mantivesse a fidelidade emocional ao material original, mas com ajustes para o formato televisivo.

A temporada começa cinco anos após os eventos da primeira, com Joel e Ellie vivendo em Jackson, Wyoming, uma comunidade que oferece um raro vislumbre de normalidade. No entanto, um evento traumático (evito detalhes para quem não jogou ou assistiu) desencadeia uma jornada de vingança que testa os limites morais dos personagens. A introdução de Abby (Kaitlyn Dever), uma figura central do jogo, promete expandir a narrativa, mas a decisão de focar majoritariamente em Ellie nesta temporada, reservando a perspectiva de Abby para a terceira, gera um desequilíbrio que permeia os episódios.

Pontos Fortes: Atuações, Produção e Momentos de Brilho

The Last of Us continua sendo um marco técnico. A direção de arte recria com fidelidade cenários como Jackson e Seattle, com detalhes que imergem o espectador no mundo pós-apocalíptico – desde prédios cobertos por vegetação até os infectados, cuja maquiagem e efeitos visuais são de tirar o fôlego. A trilha sonora de Gustavo Santaolalla, com seus acordes melancólicos, amplifica a emoção, enquanto a fotografia captura tanto a beleza quanto a brutalidade do ambiente. Sequências de ação, como ataques de hordas de infectados, são tensas e bem coreografadas, mantendo o espectador à beira do assento.

As atuações são, sem dúvida, o coração da temporada. Bella Ramsey entrega uma Ellie mais madura, mas profundamente ferida, navegando entre raiva, luto e vulnerabilidade. Sua performance em momentos de confronto emocional – especialmente nos flashbacks com Joel – é devastadora, provando que Ramsey é a escolha perfeita para o papel, apesar das críticas iniciais de fãs do jogo. Pedro Pascal, mesmo com menos tempo de tela, imbui Joel com uma ternura que contrasta com sua dureza de sobrevivente, tornando cada cena com ele um lembrete do quanto sua presença é essencial. Kaitlyn Dever, como Abby, brilha nos poucos momentos que lhe são dados, trazendo uma intensidade que promete muito para a terceira temporada. Isabela Merced (Dina) e Gabriel Luna (Tommy) também se destacam, embora seus personagens sejam subutilizados em alguns episódios.

Os flashbacks, especialmente no penúltimo episódio, são os pontos altos da temporada. Essas cenas, que exploram a relação entre Joel e Ellie nos anos entre as duas temporadas, oferecem um respiro emocional e adicionam camadas à narrativa. Um momento particular no museu espacial, onde Joel tenta reconectar Ellie com um mundo de sonhos perdidos, é de uma beleza agridoce que ecoa o melhor da primeira temporada. Esses instantes mostram que, quando a série foca na intimidade dos personagens, ela é imbatível.


Pontos Fracos: Ritmo, Estrutura e Escolhas Narrativas

Apesar de seus méritos, a segunda temporada sofre com problemas de ritmo e estrutura. A decisão de dividir The Last of Us Part II em duas temporadas faz sentido, dado o tamanho e a complexidade do jogo, mas resulta em uma narrativa que parece incompleta. Ao focar quase exclusivamente em Ellie, a série adia a dualidade entre ela e Abby, que é o cerne do jogo. Isso torna a temporada menos ambiciosa do que poderia ser, já que a ausência da perspectiva de Abby limita a exploração de temas como empatia e o ciclo de violência. A escolha de revelar as motivações de Abby logo no primeiro episódio, ao contrário do jogo, que as desvela gradualmente, também diminui o impacto de sua história.
 
O evento traumático que desencadeia a jornada de Ellie – a morte de Joel no segundo episódio – é executado com brutalidade, mas de forma apressada. A série tenta combinar esse momento íntimo e devastador com uma invasão de infectados em Jackson, o que dilui o peso emocional. No jogo, a morte de Joel é um soco no estômago porque o jogador a vivencia em detalhes; na série, a pressa para avançar a trama prejudica o luto de Ellie e do espectador. Além disso, a ausência de Joel nos episódios seguintes deixa um vazio que a série não consegue preencher completamente, apesar do esforço de Ramsey e Merced.

O ritmo irregular também é um problema. Os três primeiros episódios são intensos, mas os capítulos intermediários se perdem em desvios narrativos que não desenvolvem os personagens secundários, como Jesse (Young Mazino) e Tommy, de forma satisfatória. A jornada de Ellie e Dina em Seattle, por exemplo, é marcada por momentos de ação, mas carece da introspecção que dava profundidade ao jogo. A série suaviza a brutalidade de Ellie, humanizando-a em excesso, o que reduz o impacto de sua transformação em uma figura consumida pela vingança. Essa escolha, criticada por alguns fãs em posts no X, reflete uma hesitação em abraçar a crueldade do material original, o que enfraquece a narrativa.

O final da temporada, intitulado “Convergência”, é outro ponto de controvérsia. Embora deixe um gancho para a terceira temporada, o episódio não oferece um senso de clímax ou resolução, parecendo mais um capítulo intermediário do que uma conclusão. A abordagem fragmentada, com múltiplos núcleos narrativos, impede que o desfecho tenha o peso emocional necessário. Como apontado pela Rolling Stone Brasil, o final parece “insatisfatório” por não amarrar os arcos de forma coesa, deixando o espectador com mais perguntas do que respostas.

Temas e Relevância

The Last of Us sempre foi mais do que uma história de zumbis; é um estudo sobre o que nos torna humanos em um mundo onde a sobrevivência exige escolhas impossíveis. A segunda temporada explora a vingança como um ciclo autodestrutivo, mas sua abordagem é menos incisiva do que no jogo. A série tenta humanizar Ellie ao suavizar suas ações, mas isso a torna menos complexa, já que o jogo a apresenta como uma figura moralmente ambígua. A ausência da perspectiva de Abby também limita a discussão sobre justiça e empatia, que são centrais ao material original.

Ainda assim, a temporada acerta ao abordar o luto e o trauma. Ellie, em particular, é um retrato poderoso de alguém preso entre a dor e a busca por propósito. Sua relação com Dina oferece momentos de leveza, mas também reforça a ideia de que o amor não é suficiente para curar feridas profundas. A série também merece elogios por sua representação inclusiva, com personagens como Dina e Ellie trazendo naturalidade à diversidade em um mundo pós-apocalíptico.

Comparação com o Jogo e Recepção

Comparar a série ao jogo é inevitável, mas injusto em alguns aspectos. O formato televisivo exige ajustes, e a primeira temporada provou que mudanças podem funcionar – como a expansão da história de Bill e Frank. Na segunda temporada, porém, algumas alterações, como a introdução precoce de Abby e a suavização de Ellie, não têm o mesmo sucesso. A recepção da crítica, com 93% no Rotten Tomatoes e 82/100 no Metacritic, reflete a qualidade técnica, mas a queda na aprovação do público (39% no Rotten Tomatoes) indica uma divisão, especialmente entre fãs do jogo que sentiram falta da ousadia narrativa.

Posts no X, como os do @IGNBrasil e @omelete, ecoam essa insatisfação, apontando que a temporada é “uma casca vazia” em comparação ao jogo e que “ameniza” Ellie de forma problemática. Essa divisão reflete o desafio de adaptar um material tão controverso, mas também sugere que Mazin e Druckmann poderiam ter sido mais fiéis à essência sombria do jogo.

Minha Conclusão Final

A segunda temporada de The Last of Us é uma experiência visualmente deslumbrante e emocionalmente intensa, sustentada por atuações excepcionais e momentos de brilhantismo. No entanto, seu ritmo irregular, escolhas narrativas hesitantes e a ausência da dualidade Ellie-Abby a tornam menos impactante do que a primeira temporada e o jogo que a inspira. A série parece recuar quando deveria arriscar, suavizando a crueldade que define The Last of Us Part II. Ainda assim, ela mantém o espectador investido e pavimenta o caminho para uma terceira temporada que, espera-se, recupere a ousadia perdida.

Nota: 3,5/5

A temporada é boa, mas não atinge o patamar de excelência da estreia. É um capítulo de transição que, apesar de seus méritos, deixa a sensação de que poderia ter sido mais. Para fãs do jogo, é uma adaptação que exige paciência; para novos espectadores, é uma jornada envolvente, mas incompleta. Que a terceira temporada traga a coragem que faltou aqui.

Extermínio: A Evolução (28 Years Later) (2025)


Minha Crítica Extermínio: A Evolução (28 Years Later) (2025) – Uma Reinvenção Visceral que Tropeça na Própria Ambição

Após mais de duas décadas desde que Extermínio (2002) redefiniu o gênero zumbi com sua abordagem crua, frenética e visceral, Danny Boyle e Alex Garland retornam ao universo apocalíptico com Extermínio: A Evolução (28 Years Later), lançado em 19 de junho de 2025 no Brasil. Prometendo ser o início de uma nova trilogia, o filme carrega o peso de uma franquia icônica que não apenas revitalizou o subgênero zumbi, mas também influenciou obras como The Last of Us e The Walking Dead. Com um elenco estelar, uma estética experimental e uma narrativa que tenta equilibrar horror, drama humano e comentário social, Extermínio: A Evolução é uma obra ambiciosa que entrega momentos de brilhantismo, mas também se perde em suas próprias ideias, resultando em uma experiência que, embora memorável, não alcança o impacto radical do original.

Contexto e Premissa: Um Mundo Transformado

Extermínio: A Evolução se passa 28 anos após o surto inicial do vírus da raiva, que transformou o Reino Unido em um cenário de caos e isolamento. A nação permanece em quarentena, enquanto o resto do mundo segue uma normalidade distante. Nesse contexto, acompanhamos uma comunidade de sobreviventes que encontrou refúgio em uma ilha protegida por muralhas e uma passagem fortificada. A trama foca em uma família composta por Jamie (Aaron Taylor-Johnson), Isla (Jodie Comer) e seu filho de 12 anos, Spike (Alfie Williams), cuja jornada é desencadeada por uma missão ao continente que revela novos horrores, mutações e segredos sobre os infectados e os próprios sobreviventes.

O filme não é uma continuação direta dos eventos de Extermínio ou Extermínio 2 (2007), mas uma expansão do universo, explorando como a humanidade e o vírus evoluíram ao longo de quase três décadas. A ausência de Cillian Murphy como protagonista (embora ele atue como produtor executivo) é sentida, mas a escolha de centrar a narrativa em novos personagens, especialmente no jovem Spike, traz uma perspectiva fresca e emocional ao gênero.

Os Acertos: Estética, Atuações e Reflexões

Danny Boyle, conhecido por sua inquietação visual e experimentação, retorna com uma direção que reforça sua marca autoral. Extermínio: A Evolução é um espetáculo sensorial, filmado majoritariamente com iPhones 15 Pro Max, drones e câmeras digitais, remetendo à estética de vídeo caseiro do original, mas com uma textura moderna e imersiva. A fotografia de Anthony Dod Mantle, que também trabalhou no primeiro filme, captura as paisagens desoladas do norte da Inglaterra com uma beleza melancólica, contrastando com a brutalidade dos infectados. Cenas noturnas, especialmente aquelas com iluminação vermelha em visão noturna, criam uma atmosfera sufocante e memorável. A montagem frenética, com cortes rápidos e zooms abruptos, evoca o caos emocional dos personagens, enquanto a trilha sonora do trio Young Fathers, com sua mistura dissonante de punk rock e eletrônica, amplifica a tensão.

O roteiro de Alex Garland, por sua vez, continua a tradição da franquia de usar os infectados como metáfora para questões humanas. Aqui, ele explora a natureza hereditária da violência, o impacto de ritos e tradições em sociedades fragmentadas e a perda da inocência em um mundo hostil. A escolha de Rudyard Kipling como leitmotiv, com o poema Boots integrado à narrativa, reforça a ideia de um ciclo perpétuo de guerra e destruição, um tema que ressoa com o contexto global de 2025, marcado por pandemias recentes, polarização política e conflitos. A cena em que o poema é recitado, descrita como a mais poderosa do filme por críticos, é um exemplo de como Garland e Boyle elevam o gênero zumbi a um comentário filosófico.

O elenco é outro ponto alto. Aaron Taylor-Johnson entrega um Jamie complexo, um pai dividido entre proteger sua família e confrontar os horrores do continente. Jodie Comer, como Isla, é o coração emocional do filme, transmitindo força e vulnerabilidade em igual medida. Alfie Williams, em sua estreia como Spike, surpreende com uma atuação que captura a dualidade de uma criança forçada a amadurecer rápido demais, mas ainda guiada por impulsos genuínos. Ralph Fiennes, em um papel secundário como o enigmático Dr. Kelson, rouba a cena com uma performance que mistura excentricidade e humanidade, oferecendo um dos momentos mais emocionantes do filme.

Os Tropeços: Ambição Desequilibrada e Falta de Urgência

Apesar de seus méritos, Extermínio: A Evolução sofre com uma narrativa que tenta abraçar múltiplas ideias sem dar a todas o devido peso. O foco no drama familiar, embora emocionalmente envolvente, dilui a urgência e o horror que definiram o primeiro filme. Onde Extermínio (2002) era cru e implacável, com infectados que representavam uma ameaça constante, A Evolução opta por uma abordagem mais introspectiva, relegando os infectados a um papel secundário. Essa escolha, embora válida, frustra as expectativas de fãs que aguardavam o “horror visceral” prometido pela campanha de marketing.

Os novos infectados, apresentados como uma evolução do vírus com variantes mais inteligentes e grotescas, são visualmente impactantes, mas sua lógica no universo da franquia é questionável. Críticas apontam que essas mutações, inspiradas em The Last of Us, parecem desconexas do mundo estabelecido nos filmes anteriores, e algumas escolhas criativas, como a nudez completa dos infectados, geram mais distração do que medo. Além disso, o uso de jump scares baratos em detrimento de uma tensão mais sofisticada compromete a atmosfera em certos momentos.

O roteiro, embora rico em temas, peca por uma estrutura que lembra um videogame, com missões lineares e resoluções que nem sempre respeitam as regras do próprio mundo. A motivação inicial para a jornada dos protagonistas é descrita como “boba” por alguns críticos, e decisões questionáveis de certos personagens enfraquecem a imersão. O cliffhanger final, que prepara o terreno para a sequência Extermínio: O Templo dos Ossos (2026), divide opiniões: para alguns, é uma promessa empolgante de algo maior; para outros, reforça a sensação de que o filme é mais uma introdução do que uma obra completa.

Recepção e Impacto Cultural

A recepção crítica de Extermínio: A Evolução é mista, mas majoritariamente positiva, com 95% de aprovação no Rotten Tomatoes com base em 81 avaliações. Críticas elogiam a ousadia visual, as atuações e a profundidade temática, mas apontam que o filme não recaptura a força revolucionária do original. No Brasil, a imprensa destaca tanto o experimentalismo de Boyle quanto a falta de impacto do roteiro, com avaliações que variam de “filmaço visceral” a “bonito, mas vazio”. A bilheteria reflete o hype: o filme arrecadou cerca de US$ 56-60 milhões em sua estreia global, superando expectativas para um terror com orçamento de US$ 75 milhões.

Culturalmente, Extermínio: A Evolução chega em um momento oportuno, dialogando com ansiedades contemporâneas sobre pandemias, isolamento e a fragilidade da civilização. Sua abordagem sensorial e o uso de iPhones como ferramenta cinematográfica reforçam a ideia de um cinema que reflete a era digital, enquanto o foco em uma criança protagonista ecoa narrativas recentes como The Last of Us. No entanto, ao priorizar drama e poesia sobre horror, o filme aliena parte do público que esperava um retorno ao caos desenfreado do original.

Minhas Considerações Finais: Um Novo Capítulo com Potencial Inexplorado

Extermínio: A Evolução é uma obra que reflete a maturidade de Danny Boyle e Alex Garland, mas também os desafios de revisitar um clássico em um mundo saturado de histórias apocalípticas. É um filme que impressiona pela estética, emociona com suas performances e provoca com suas reflexões, mas falha em recapturar a urgência e o impacto que fizeram de Extermínio um marco. Como o primeiro capítulo de uma trilogia, ele estabelece um universo intrigante e deixa portas abertas para explorações futuras, mas não se sustenta completamente como uma obra autônoma.

Para fãs da franquia, é uma experiência que vale pela nostalgia e pela promessa do que está por vir. Para novos espectadores, oferece uma visão única do gênero zumbi, mas pode decepcionar aqueles que buscam sustos constantes. No fim, Extermínio: A Evolução é um filme corajoso, imperfeito e profundamente humano – uma evolução, sim, mas que ainda busca encontrar seu lugar no legado da série. 

Nota: 4/5

Essa avaliação reflete os pontos fortes do filme, como a direção ousada de Danny Boyle, as atuações marcantes de Aaron Taylor-Johnson, Jodie Comer e Alfie Williams, a estética sensorial e os temas profundos explorados por Alex Garland. No entanto, a nota não alcança o 5 devido a falhas como a narrativa desequilibrada, a falta de urgência em comparação com o original e alguns elementos que não se integram bem ao universo da franquia, como as mutações dos infectados e o uso de jump scares. 

É um filme impressionante, mas com potencial parcialmente inexplorado.

O Eternauta (2025)

Minha Crítica : O Eternauta (Netflix, 2025)

A série O Eternauta, lançada pela Netflix em 30 de abril de 2025, é uma adaptação ambiciosa da icônica história em quadrinhos argentina criada por Héctor Germán Oesterheld e ilustrada por Francisco Solano López, publicada originalmente entre 1957 e 1959. Com seis episódios dirigidos por Bruno Stagnaro e estrelados por Ricardo Darín no papel de Juan Salvo, a produção se propõe a trazer para o streaming uma narrativa que mistura ficção científica apocalíptica, crítica social e um profundo estudo sobre a condição humana em tempos de crise. A obra original é um marco cultural na América Latina, carregada de simbolismo político e reflexões sobre resistência e coletividade, e a série enfrenta o desafio de honrar esse legado enquanto se adapta a um público global contemporâneo. Após assistir à primeira temporada, esta crítica busca explorar os méritos e as falhas da produção, analisando sua narrativa, aspectos técnicos, atuações, fidelidade à fonte e relevância cultural, culminando em uma avaliação final.

Contexto e Enredo: Um Apocalipse Argentino

A série se passa em uma Buenos Aires contemporânea, assolada por uma nevasca tóxica que mata instantaneamente qualquer pessoa que entre em contato com ela. Juan Salvo (Ricardo Darín), um homem comum com um passado marcado pela Guerra das Malvinas, sobrevive ao lado de um pequeno grupo de amigos e familiares, enquanto tenta entender a natureza da catástrofe. O que inicialmente parece um fenômeno climático logo se revela como o primeiro estágio de uma invasão alienígena, conduzida por uma força invisível chamada "Mão" nos quadrinhos. A narrativa acompanha a luta desesperada desse grupo por sobrevivência, enquanto enfrentam não apenas os perigos externos — como os insetos gigantes controlados pelos invasores — mas também os conflitos internos, como desconfiança, trauma e a fragilidade das relações humanas em um cenário de colapso social.

A escolha de atualizar a história para os dias atuais, em vez de manter o contexto dos anos 1950, é uma decisão ousada que reflete tanto os desafios de produção quanto a intenção de tornar a trama mais acessível. A HQ original, escrita durante a Guerra Fria, era impregnada de temores de ataques nucleares e críticas veladas ao autoritarismo, que ganharam um tom mais explícito na reedição de 1969. Na série, a modernização traz novos elementos, como o uso de celulares (antes que a energia colapse) e referências à Guerra das Malvinas, mas também arrisca diluir o peso político específico da obra de Oesterheld, que era profundamente enraizada na história argentina.

Pontos Fortes: Produção, Atuações e Atmosfera

Um dos maiores trunfos de O Eternauta é sua realização técnica. Filmada em Buenos Aires com a tecnologia StageCraft (a mesma usada em The Mandalorian), a série apresenta cenários apocalípticos impressionantes, com ruas cobertas de neve, veículos abandonados e uma paleta de cores que reforça a sensação de desolação. A neve, que raramente ocorre na capital argentina, é usada como um elemento visual poderoso, criando uma atmosfera claustrofóbica e opressiva. O design de produção é meticuloso, e os efeitos visuais, embora não sejam perfeitos em todos os momentos, são surpreendentemente competentes para um orçamento estimado em 15 milhões de dólares. Os insetos alienígenas, inspirados nos besouros da HQ, têm um visual que respeita a fonte, com uma textura orgânica que evita o artificialismo de muitas produções de ficção científica.

A direção de Bruno Stagnaro, conhecido por Okupas, é outro destaque. Stagnaro opta por um ritmo deliberadamente lento nos primeiros episódios, construindo a tensão de forma gradual e permitindo que o público se conecte com os personagens antes de revelar a verdadeira escala da ameaça. Essa escolha pode frustrar quem busca ação imediata, mas é eficaz em criar um senso de realismo e imersão. A partir do quarto episódio, quando os elementos fantásticos ganham mais espaço, a série encontra um equilíbrio entre o drama humano e a ficção científica, culminando em um final que, embora aberto, deixa o espectador ansioso pela segunda temporada já confirmada.

Ricardo Darín, como Juan Salvo, é a alma da série. Sua performance é contida, mas profundamente expressiva, transmitindo o peso de um homem comum forçado a liderar em circunstâncias extremas. Mesmo escondido por máscaras de proteção em várias cenas, Darín usa o olhar e a linguagem corporal para conveyer angústia, determinação e vulnerabilidade. O elenco de apoio também brilha, com destaque para César Troncoso como Favalli, cuja racionalidade técnica contrasta com a empatia de outros personagens, e Mora Fisz como Clara, cuja jornada levanta questões perturbadoras sobre controle alienígena. No entanto, Carla Peterson, que interpreta Elena, a esposa de Juan, parece menos à vontade em momentos dramáticos, o que gera uma leve desconexão em cenas familiares.

A série também merece elogios por manter o tema central da HQ: a força da coletividade. Em um mundo cada vez mais individualista, O Eternauta reforça a mensagem de que "ninguém se salva sozinho", mostrando como a solidariedade, mesmo em meio à desconfiança, é essencial para enfrentar adversidades. Essa ideia ressoa tanto no contexto ficcional quanto no atual, especialmente em tempos de polarização e crises globais.

Pontos Fracos: Perda de Nervo Político e Ritmo Irregular

Apesar de seus méritos, O Eternauta não está isenta de falhas. A principal crítica é a atenuação do caráter político da obra original. A HQ de Oesterheld, especialmente em sua versão de 1969, era uma denúncia explícita contra o autoritarismo, o imperialismo e as desigualdades sociais, escrita por um autor que pagou com a vida por sua militância contra a ditadura argentina. Na série, esses elementos aparecem de forma mais sutil, como na menção à Guerra das Malvinas ou na crítica implícita à fragilidade das instituições em crises. No entanto, a busca por uma narrativa "universal" para agradar ao público global resulta em uma perda de especificidade cultural e histórica, o que enfraquece a conexão com a memória coletiva argentina. A ausência de um comentário mais direto sobre a ditadura ou sobre as feridas ainda abertas do país, como os desaparecimentos forçados, é uma oportunidade perdida, especialmente considerando a trágica história de Oesterheld e suas filhas.

Outro ponto de crítica é o ritmo irregular. Os primeiros três episódios, focados na construção dos personagens e na ambientação, podem parecer arrastados para quem não está familiarizado com a HQ ou espera uma narrativa mais acelerada. O segundo e o quinto episódios, em particular, sofrem com momentos de exposição excessiva ou subtramas que não avançam significativamente a história. Embora o ritmo melhore na segunda metade, a série poderia se beneficiar de uma edição mais enxuta para manter a tensão constante.

Por fim, algumas escolhas narrativas, como os "apagões" de Juan Salvo, sugerem elementos de viagem no tempo ou loops temporais que não são plenamente explorados na primeira temporada. Embora isso crie expectativa para a continuação, também deixa uma sensação de incompletude, especialmente para espectadores que não conhecem a HQ e podem achar o final abrupto ou confuso.

Fidelidade à HQ e Relevância Cultural

A adaptação de O Eternauta é fiel ao espírito da HQ, mas toma liberdades criativas que dividem opiniões. A modernização da história, a inclusão de novos personagens e a alteração de certos eventos são justificáveis pela mudança de mídia e pelo desejo de atualizar a narrativa. No entanto, fãs puristas podem se incomodar com a ausência de algumas cenas icônicas ou com a redução do tom político explícito. Ainda assim, a série preserva elementos centrais, como a neve tóxica, os besouros alienígenas e a transformação de Juan em um símbolo de resistência, além de homenagear a estética de Solano López em detalhes visuais.

Culturalmente, O Eternauta é um marco para a Argentina e a América Latina. A série coloca Buenos Aires como o epicentro de uma narrativa apocalíptica, desafiando a tendência de produções sci-fi centradas em cidades do "primeiro mundo". Para os argentinos, ver suas ruas e costumes representados em uma produção de alto nível é motivo de orgulho, como refletido em comentários de fãs no IMDb e em posts no X. Globalmente, a série introduz uma obra seminal da ficção latino-americana a novos públicos, destacando a relevância de histórias que combinam entretenimento com reflexão social.

Minha Conclusão Final, Considerações Finais e Nota

O Eternauta é uma adaptação que impressiona pela qualidade técnica, pelas atuações (com destaque para Darín) e pela capacidade de criar uma atmosfera envolvente. A série honra o legado da HQ ao enfatizar a importância da coletividade e da resistência, mas perde força ao suavizar o nervo político que fazia da obra original um grito de denúncia. O ritmo irregular e algumas pontas soltas narrativas são contrabalançados por momentos de tensão bem construídos e por um final que promete expandir a mitologia na segunda temporada.

Como uma produção latino-americana que compete com blockbusters globais, O Eternauta é uma vitória, demonstrando que é possível contar histórias locais com alcance universal. No entanto, sua hesitação em abraçar plenamente o contexto político e histórico da Argentina impede que alcance o impacto transformador da HQ. Ainda assim, é uma série que merece ser vista, tanto por fãs da obra original quanto por quem busca uma ficção científica com alma e coração.

Nota: 4/5

A série é poderosa e emocionante, mas deixa margem para crescer em ousadia e profundidade na próxima temporada. Que a resistência de Juan Salvo inspire não apenas os personagens, mas também os roteiristas a recuperarem o espírito combativo de Oesterheld.

Ash - Planeta Parasita (2025)

Minha Crítica: Ash: Planeta Parasita (2025)

Ash: Planeta Parasita, dirigido pelo estreante Flying Lotus (nome artístico de Steven Ellison), é uma incursão ambiciosa no terror cósmico e na ficção científica que tenta, com unhas e dentes, se destacar em um gênero saturado de clássicos imponentes como Alien: O Oitavo Passageiro (1979) e O Enigma de Outro Mundo (1982). Lançado em 24 de abril de 2025 no Prime Video, o filme traz Eiza González como Riya, uma cientista espacial que desperta em uma estação orbital com um ferimento na testa, sem memória e cercada pelos corpos brutalmente assassinados de sua tripulação. A chegada de Brion (Aaron Paul), um suposto resgatista, desencadeia uma narrativa de mistério, paranoia e horror psicológico que, embora visualmente cativante, tropeça em sua própria ambição, resultando em uma experiência que é ao mesmo tempo intrigante e frustrante. 

Atmosfera e Estilo Visual: Um Banquete Sensorial com Limitações

Um dos pontos mais fortes de Ash: Planeta Parasita é, sem dúvida, sua estética. Flying Lotus, conhecido por sua carreira na música experimental, imprime ao filme uma identidade visual que remete a um videoclipe psicodélico. A fotografia de Richard Bluck utiliza tons neon — azuis, roxos, verdes e vermelhos — para criar uma atmosfera onírica e claustrofóbica, reforçada por luzes estroboscópicas e closes abruptos que evocam desconforto. A trilha sonora, também assinada por Lotus, é um destaque à parte, com camadas de sons eletrônicos e dissonantes que elevam momentos de tensão a um patamar quase fantasmagórico. Há sequências, como a apresentação do título em uma mandala formada por gases atmosféricos, que são de uma beleza hipnótica e demonstram o potencial do diretor em criar imagens memoráveis.

No entanto, essa estilização, embora impressionante, frequentemente parece desconectada da narrativa. O excesso de efeitos visuais e a edição ritmada de Bryan Shaw, que prioriza cortes rápidos e transições abruptas, acabam minando a construção de tensão. O que deveria ser um pesadelo imersivo muitas vezes se transforma em um desfile de imagens impactantes, mas narrativamente vazias. A sensação é de que Lotus está mais interessado em impressionar visualmente do que em sustentar uma história coesa, o que faz o filme parecer, em momentos, um experimento estético em vez de uma obra cinematográfica completa.

Enredo e Roteiro: Ambição Sufocada por Falhas de Execução

O roteiro de Jonni Remmler parte de uma premissa instigante: Riya, desmemoriada, tenta desvendar o que aconteceu com sua tripulação enquanto lida com a possibilidade de estar infectada por uma entidade alienígena. A narrativa flerta com temas profundos, como a exploração colonial humana, a manipulação psicológica (gaslighting) e o horror existencial de não saber quem se é. A ideia de um parasita que distorce a percepção da realidade, infiltrando-se na mente e no corpo, é rica e poderia render um estudo psicológico poderoso.

Porém, o filme não consegue capitalizar esse potencial. A estrutura narrativa, que alterna entre flashbacks expositivos e momentos de tensão no presente, é desajeitada. Os flashbacks, em vez de aprofundarem o mistério, entregam respostas de forma didática, dissipando a ambiguidade que poderia ter sustentado a paranoia da protagonista. O grande plot twist — a revelação de que Riya é responsável pelas mortes, manipulada pelo parasita — é previsível e chega cedo demais, minando a suspense. Além disso, a ameaça alienígena é genérica, com um design que remete a clichês do gênero (tentáculos, corpos deformados) sem oferecer nada de novo. O filme tenta emular a tensão de Alien e a desconfiança de O Enigma de Outro Mundo, mas carece da urgência e da originalidade que tornaram esses clássicos atemporais.

A resolução, com Riya enfrentando a criatura em uma batalha final com um lança-chamas, é funcional, mas previsível, e a cena pós-créditos, que sugere a sobrevivência do parasita, parece mais um aceno forçado a uma possível sequência do que uma adição significativa à narrativa. O filme termina com a sensação de que prometeu mais do que entregou, deixando questões interessantes — como a crítica à colonização espacial — na superfície, sem exploração profunda.

Atuações: Um Elenco Talentoso Preso a Personagens Rasos

Eiza González entrega uma performance sólida como Riya, capturando a vulnerabilidade e a determinação de uma protagonista à beira da sanidade. Sua tentativa de emular a icônica Ellen Ripley é evidente, e ela consegue transmitir momentos de angústia genuína, especialmente nas cenas em que confronta suas memórias fragmentadas. No entanto, o roteiro não lhe dá material suficiente para explorar camadas mais profundas, e em momentos de maior intensidade emocional, sua atuação parece forçada, como se lutasse contra a direção inconsistente.

Aaron Paul, como Brion, é funcional, mas subutilizado. Sua presença traz um peso dramático inicial, mas o personagem se revela unidimensional, servindo mais como um dispositivo narrativo do que como uma figura complexa. A química entre González e Paul é praticamente inexistente, o que enfraquece a dinâmica de desconfiança mútua que o filme tenta estabelecer. Outros membros do elenco, como Iko Uwais e Kate Elliott, têm participações tão breves que mal deixam marca, uma pena considerando o talento envolvido.

Referências e Originalidade: Um Tributo que Não Inova

Ash: Planeta Parasita é descaradamente derivativo, bebendo de forma explícita de Alien e O Enigma de Outro Mundo. A protagonista desmemoriada, a estação espacial claustrofóbica, o parasita que controla mentes — todos esses elementos são familiares, e o filme não faz questão de escondê-los. Há momentos que parecem cópias diretas, como cenas de procedimentos médicos assistidos por robôs que ecoam 2001: Uma Odisseia no Espaço ou Prometheus. Embora Flying Lotus tente injetar uma perspectiva autoral com sua estética psicodélica, o filme nunca transcende suas referências para se tornar algo verdadeiramente novo.

Essa falta de originalidade é especialmente frustrante porque o filme acena para ideias provocadoras — como a consciência coletiva do parasita que rejeita a colonização humana — mas não as desenvolve. O resultado é uma obra que parece um pastiche, mais preocupada em prestar homenagem do que em forjar sua própria identidade. Comparado a outros filmes recentes de terror sci-fi, como Não! Não Olhe! (2022) ou até mesmo a animação Looney Tunes: O Dia em que a Terra Explodiu (2024), Ash carece do frescor ou da irreverência necessários para se destacar.

Impacto e Recepção

Apesar de suas falhas, Ash: Planeta Parasita encontrou certo sucesso no Prime Video, alcançando o topo dos mais assistidos em 19 países, segundo o Flixpatrol. Sua bilheteria, no entanto, foi um fracasso, arrecadando apenas US$ 1,08 milhão mundialmente. As críticas são mistas: enquanto alguns elogiam a atmosfera e a ousadia visual (73% no Rotten Tomatoes), outros apontam a narrativa desconexa e a falta de impacto emocional. O filme parece dividir opiniões entre aqueles que apreciam sua experimentação e os que se sentem decepcionados por sua execução desleixada.

Minha Conclusão Final: Um Experimento Promissor, Mas Incompleto

Ash: Planeta Parasita é um filme que seduz pela forma, mas decepciona pelo conteúdo. Flying Lotus demonstra potencial como diretor, com uma visão estética única e uma trilha sonora envolvente, mas sua inexperiência no formato de longa-metragem é evidente na falta de coesão narrativa e na incapacidade de sustentar a tensão. O elenco, liderado por Eiza González, faz o possível com um roteiro que não explora todo o seu potencial, e as referências a clássicos do gênero, embora respeitosas, acabam pesando contra a originalidade da obra. É uma pena, porque há lampejos de algo especial aqui — momentos em que o filme quase se torna o pesadelo cósmico que promete ser. No final, porém, ele se contenta em ser um exercício de estilo, mais próximo de um videoclipe estendido do que de um marco do terror sci-fi.

Nota: 2,5/5

O filme merece crédito por sua ambição visual e pela tentativa de Flying Lotus de trazer sua voz autoral ao gênero, mas suas falhas narrativas e a falta de impacto emocional o impedem de alcançar o nível dos clássicos que referencia. É uma experiência que vale a pena para fãs de terror psicológico e sci-fi experimental, mas aqueles que buscam uma história envolvente ou sustos memoráveis provavelmente sairão desapontados.