Minha Crítica: Pecadores (2025) – Uma Dança Visceral entre Blues, Terror e Ancestralidade
Ryan Coogler, um dos cineastas mais instigantes de sua geração, entrega em *Pecadores* (2025) uma obra que é, ao mesmo tempo, um grito de resistência cultural, uma celebração da música como força espiritual e uma ousada reinvenção do gênero de terror. Com Michael B. Jordan em um desafiador papel duplo como os irmãos gêmeos Elias “Stack” e Elijah “Smoke” Moore, o filme mergulha no coração do Mississippi dos anos 1930, onde o blues não é apenas música, mas uma metáfora para a luta, a identidade e a sobrevivência de uma comunidade negra sob o peso da segregação racial. *Pecadores* é um filme que desafia categorizações, misturando drama histórico, horror sobrenatural, blaxploitation e elementos de musical, resultando em uma experiência que é tão vibrante quanto imperfeita, tão provocadora quanto envolvente.
Enredo e Contexto: Uma Narrativa de Duas Metades
A trama segue os irmãos Moore, que retornam à sua cidade natal após anos em Chicago, onde acumularam riqueza e notoriedade como gângsteres. Com o sonho de deixar o passado para trás, eles investem em um *juke joint*, um clube de blues voltado para a comunidade negra, trazendo consigo o primo Sammie (Miles Caton), um jovem guitarrista talentoso dividido entre a fé cristã de seu pai pastor e a paixão pela música considerada “pecaminosa”. A primeira metade do filme é um drama histórico envolvente, com uma construção lenta e atmosférica que captura a tensão racial e a vibrante cultura do Delta do Mississippi. A música, composta por Ludwig Göransson, é um personagem por si só, pulsando com tambores africanos e riffs de guitarra que ecoam a ancestralidade e a rebeldia do blues.
No entanto, Pecadores surpreende ao se transformar em um thriller sobrenatural na segunda metade, quando vampiros – brancos, oportunistas e predadores – emergem como uma força maligna que ameaça a comunidade. Esses vampiros não são apenas monstros sedentos por sangue, mas uma alegoria poderosa para a exploração cultural e a violência racial, representando aqueles que se apropriam da arte e da alma de um povo enquanto tentam silenciá-lo. A transição de gêneros, semelhante à virada abrupta de Um Drink no Inferno (1996), é ousada, mas nem sempre fluida, e é aqui que o filme encontra seus maiores desafios e méritos.
Pontos Fortes: Estilo, Música e Subtexto
O maior trunfo de Pecadores é sua ambição estética e temática. Filmado em película de 70mm com câmeras IMAX, o filme é um espetáculo visual. A direção de fotografia de Autumn Durald Arkapaw utiliza tons dourados, vermelhos profundos e sombras densas para criar uma atmosfera que é ao mesmo tempo onírica e opressiva. As sequências musicais, como a do celeiro mencionada em críticas, são de tirar o fôlego, misturando coreografias vibrantes com uma montagem que conecta passado, presente e futuro em um fluxo quase místico. A trilha sonora de Göransson, que combina elementos tradicionais do blues com sintetizadores modernos, eleva essas cenas a um nível de transcendência, reforçando a ideia de que a música é uma força de resistência contra a opressão.
O subtexto racial é outro ponto alto. Coogler, conhecido por abordar questões raciais em Pantera Negra e Creed, usa os vampiros como uma metáfora para a apropriação cultural e o racismo estrutural. A ideia de vampiros brancos que atacam a comunidade negra, não apenas por seu sangue, mas pelo que ele carrega – conhecimento, cultura, história – é poderosa e ressoa com a história real de apagamento cultural nos EUA, como a apropriação do blues por artistas brancos. A cena pós-créditos, ambientada nos anos 1990 com Sammie (interpretado na velhice por Buddy Guy), reforça a perpetuidade da cultura negra, mostrando que, apesar das tentativas de silenciá-la, ela sobrevive e floresce.
O elenco é um destaque à parte. Michael B. Jordan entrega uma performance sólida, distinguindo os irmãos com nuances sutis – Stack é mais enraizado, Smoke mais seduzido pela modernidade. No entanto, é Miles Caton, em sua estreia como ator, quem rouba a cena como Sammie, trazendo uma vulnerabilidade e paixão que ancoram o filme emocionalmente. Delroy Lindo, como o veterano Delta Slim, e Wunmi Mosaku, em um papel coadjuvante, também brilham, injetando humor e profundidade aos seus personagens.
Pontos Fracos: Desafios de Ritmo e Coesão
Apesar de seus muitos méritos, *Pecadores* não é isento de falhas. A transição abrupta do drama histórico para o horror sobrenatural, embora intencional, pode desorientar o espectador. A primeira metade do filme é tão rica em construção de mundo e personagens que a introdução dos vampiros, por mais simbólica que seja, parece às vezes desconexa. As regras dos vampiros (estacas, alho, permissão para entrar) são convencionais e contrastam com a originalidade do resto da narrativa, tornando o clímax – uma batalha entre humanos e vampiros – genérico em comparação com o que veio antes.
Outro ponto de crítica é o ritmo. Com 138 minutos, o filme se arrasta em certos momentos, especialmente no primeiro ato, onde a construção lenta, embora necessária, pode testar a paciência de alguns espectadores. A falta de desenvolvimento de alguns personagens secundários também é sentida; Hailee Steinfeld, como o interesse amoroso de Stack, tem pouco espaço para brilhar, e suas cenas românticas parecem mais funcionais do que orgânicas. Além disso, o clímax, embora visualmente impressionante, é confuso em sua geografia e resolução, deixando perguntas sobre a lógica da batalha e o destino de certos personagens.
Impacto e Recepção
Pecadores estreou com aclamação crítica, alcançando 98% de aprovação no Rotten Tomatoes e uma rara nota A no CinemaScore para um filme de terror, um feito notável para um gênero que raramente conquista tal consenso. A bilheteria também impressionou, com US$ 63 milhões arrecadados globalmente no fim de semana de estreia, superando expectativas para um filme original com classificação para maiores. No entanto, a recepção não foi unânime. Alguns críticos e espectadores, como visto em posts no Reddit, sentiram que a fusão de gêneros prejudicou a coesão do filme, com os vampiros parecendo “colados” à narrativa. Outros, porém, celebraram a ousadia de Coogler, chamando o filme de “obra-prima” e “o melhor do ano”.
Reflexão: Um Filme para o Cinema
Pecadores é um filme que exige ser visto na tela grande. A experiência imersiva proporcionada pelo IMAX e pelo som Dolby eleva as sequências musicais e de ação a um nível quase visceral. Coogler descreve o filme como sua “carta de amor ao cinema”, e isso transborda em cada quadro – da direção de arte de Hannah Beachler às escolhas ousadas de montagem. É uma obra que não tem medo de ser imperfeita, abraçando suas contradições para entregar algo único. Como um riff de blues, Pecadores é cru, emocional e cheio de alma, mesmo que nem todas as notas sejam perfeitas.
Para os fãs de terror, o filme oferece sustos bem dosados e uma abordagem fresca ao mito dos vampiros. Para quem busca profundidade, há um subtexto rico sobre raça, fé e cultura. E para aqueles que simplesmente amam o cinema, Pecadores é uma celebração da sétima arte, um lembrete de que histórias originais ainda podem surpreender e provocar. Vá ao cinema, mergulhe na escuridão da sala e deixe-se levar pela música e pelo medo. Pecadores é, acima de tudo, uma experiência.
Nota: 4.5/5 – Um filme imperfeito, mas inesquecível, que dança entre gêneros com coragem e paixão.
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