Minha Crítica: Nosferatu (2024) – A Sombra de Robert Eggers Sobre o Vampiro Eterno
Mais de um século após o icônico Nosferatu: Eine Symphonie des Grauens (1922), de F.W. Murnau, e quase meio século depois da reinterpretação de Werner Herzog, o cineasta Robert Eggers assume a tarefa monumental de revisitar o vampiro mais grotesco e primordial do cinema. Nosferatu (2024) é, ao mesmo tempo, uma reverência ao expressionismo alemão, uma expansão do mito gótico e uma exploração profundamente autoral das obsessões humanas e do mal encarnado. Com um elenco estelar liderado por Bill Skarsgård, Lily-Rose Depp e Nicholas Hoult, e uma estética visual que se tornou marca registrada de Eggers, o filme é uma obra que impressiona, perturba e, por vezes, desafia as expectativas. Mas será que essa nova iteração consegue se destacar como uma reinvenção ousada ou permanece à sombra de seus predecessores? Vamos dissecar essa jornada sombria.
A Atmosfera: Um Pesadelo Visual e Sonoro
Robert Eggers é conhecido por sua obsessão com a autenticidade histórica e a criação de atmosferas opressivas, e Nosferatu não é exceção. Ambientado na Alemanha de 1838, o filme mergulha o espectador em um mundo de superstições, sombras e decadência. A fotografia de Jarin Blaschke, colaborador habitual de Eggers, é um dos grandes trunfos da obra. Filmado em 35mm com uma paleta dessaturada, o visual evoca tanto o cinema mudo quanto as pinturas românticas do século XIX, com tons de cinza, azul e vermelho sangue que reforçam o clima de melancolia e terror. Cenas como a silhueta de Orlok projetada contra as paredes de Wisborg ou a caminhada de Thomas Hutter por uma floresta coberta de neve são de uma beleza hipnótica, quase como quadros vivos.
O design de produção é igualmente meticuloso. O Castelo de Corvin, na Transilvânia, serve como um cenário perfeito para o lar de Orlok, com seus arcos góticos e corredores em ruínas que parecem pulsar com uma energia maligna. A cidade alemã de Wisborg, por sua vez, é claustrofóbica, com ruas estreitas e casas que parecem engolir a luz. Cada elemento – dos figurinos de época às velas tremeluzentes – contribui para a imersão total.
A trilha sonora de Robin Carolan é outro destaque. Longe dos clichês do horror, Carolan opta por uma abordagem minimalista e melancólica, com cordas dissonantes e coros etéreos que amplificam a sensação de desconforto. A música não apenas acompanha a narrativa, mas parece emanar do próprio Conde Orlok, como se sua presença infectasse o som ao seu redor. O uso de efeitos práticos, como os 5.000 ratos treinados que simbolizam a peste trazida pelo vampiro, reforça a fisicalidade do horror, tornando-o mais visceral.
A Narrativa: Entre o Clássico e o Contemporâneo
O enredo de Nosferatu (2024) segue a estrutura básica do original, mas com toques modernos que refletem a sensibilidade de Eggers. Thomas Hutter (Nicholas Hoult), um agente imobiliário, é enviado aos Cárpatos para negociar a compra de uma propriedade com o Conde Orlok (Bill Skarsgård). Desavisado, Thomas logo percebe que seu cliente é uma criatura das trevas, cuja obsessão por Ellen (Lily-Rose Depp), a esposa de Hutter, desencadeia uma onda de horror em Wisborg. A trama mantém os elementos centrais do filme de 1922, como o magnetismo sobrenatural entre o vampiro e sua vítima, mas aprofunda os temas de solidão, desejo reprimido e a luta contra forças incontroláveis.
Eggers, que também assina o roteiro, injeta uma camada de complexidade psicológica ausente no original. Ellen, em particular, é reimaginada como uma protagonista mais ativa e trágica. Longe de ser apenas uma vítima, ela é uma mulher atormentada por sonhos premonitórios e desejos conflitantes, que a conectam a Orlok de maneira quase erótica. Essa abordagem sensual, explorada com sutileza nas cenas de possessão e delírio, eleva o filme acima do simples terror, transformando-o em um melodrama gótico sobre a atração pelo proibido. A crítica social também está presente, especialmente na representação da “histeria” de Ellen, que reflete o tratamento misógino dispensado às mulheres com problemas mentais no século XIX.
No entanto, a narrativa não está isenta de falhas. Com 2 horas e 12 minutos, o filme sofre com um ritmo desigual. Algumas cenas, como as interações de Thomas com os habitantes locais da Transilvânia, se arrastam, enquanto outras, como o clímax em Wisborg, parecem apressadas. A expansão da mitologia do vampiro, com referências ao folclore do Leste Europeu, é fascinante, mas por vezes confusa, deixando algumas perguntas sem resposta. Comparado aos trabalhos anteriores de Eggers, como A Bruxa (2015) e O Farol (2019), Nosferatu parece menos coeso, como se o peso de adaptar um clássico tivesse comprometido a clareza da visão do diretor.
As Atuações: Um Elenco em Sintonia com o Gótico
O elenco de Nosferatu é um dos seus maiores acertos. Bill Skarsgård, conhecido por interpretar Pennywise em It: A Coisa, entrega uma performance irreconhecível como Conde Orlok. Sob camadas de maquiagem impressionantes (que levaram 9 horas para serem aplicadas), Skarsgård cria um vampiro que é ao mesmo tempo aterrorizante e pateticamente humano. Sua voz, trabalhada minuciosamente durante semanas, é grave e gutural, evocando uma criatura que não pertence ao mundo dos vivos. Orlok, nesta versão, é menos um demônio e mais um predador movido por um desejo insaciável, cuja obsessão por Ellen beira o trágico. Cada aparição do vampiro é carregada de magnetismo, especialmente nas cenas em que ele se move como uma sombra, desafiando as leis da física.
Lily-Rose Depp, como Ellen Hutter, é a alma do filme. Sua atuação combina fragilidade e intensidade, capturando a dualidade de uma mulher dividida entre o dever matrimonial e a atração pelo desconhecido. As cenas de possessão, em que Ellen parece lutar contra seu próprio corpo, são impressionantes, exigindo um domínio físico que Depp executa com maestria. Sua química com Skarsgård é palpável, mesmo que os dois compartilhem poucas cenas juntos, reforçando o tema do magnetismo sobrenatural.
Nicholas Hoult, como Thomas Hutter, oferece uma performance sólida, mas menos memorável. Seu personagem, um homem comum pego em circunstâncias extraordinárias, serve como âncora para a narrativa, mas carece da profundidade de Ellen ou Orlok. Aaron Taylor-Johnson, como Friedrich Harding, e Willem Dafoe, como o excêntrico Professor Albin Eberhart Von Franz, trazem carisma aos papéis secundários, com Dafoe roubando cenas com sua mistura de humor e gravidade. Emma Corrin, Ralph Ineson e Simon McBurney completam o elenco com atuações competentes, embora seus personagens tenham menos espaço para brilhar.
O Legado: Uma Releitura que Honra, mas Não Supera
Nosferatu (2024) é, sem dúvida, uma das adaptações mais ambiciosas do clássico de Murnau. Eggers honra o original ao preservar sua essência expressionista e sua atmosfera de pavor, mas também imprime sua própria marca, com uma abordagem que combina horror psicológico, melodrama e crítica social. A decisão de filmar em locações reais, como o Castelo de Corvin, e de usar efeitos práticos, como os ratos e a maquiagem de Orlok, reforça o compromisso do diretor com a autenticidade.
No entanto, o filme não alcança a mesma força eloquente do original ou a beleza austera do remake de Herzog (1979). Parte disso se deve às expectativas elevadas: Eggers, com apenas quatro longas-metragens, já é considerado um mestre do horror, e Nosferatu carrega o peso de ser sua obra mais comercial até agora. Comparado a A Bruxa ou O Farol, que são mais originais e coesos, Nosferatu parece menos inovador, como se Eggers estivesse preso entre a reverência ao clássico e o desejo de criar algo novo. A falta de uma novidade radical, como a que Luca Guadagnino trouxe a Suspiria (2018), faz com que o filme, embora excelente, não transcenda seus predecessores.
Minhas Considerações Finais
Nosferatu (2024) é um espetáculo gótico que combina beleza, horror e melancolia em doses generosas. Robert Eggers prova mais uma vez sua habilidade em criar mundos imersivos e personagens complexos, enquanto Bill Skarsgård e Lily-Rose Depp entregam performances que elevam o material. Apesar de suas falhas – um ritmo desigual e uma narrativa que nem sempre encontra seu foco –, o filme é uma experiência cinematográfica inesquecível, especialmente em uma sala de cinema, onde sua grandiosidade visual e sonora pode ser plenamente apreciada.
Para os fãs de Eggers e do horror gótico, Nosferatu é uma obra-prima imperfeita, que respeita o legado do original enquanto explora novas facetas do mito do vampiro. Para aqueles que esperavam uma reinvenção radical, o filme pode parecer um exercício de estilo, belo, mas não revolucionário. Ainda assim, sua capacidade de hipnotizar, perturbar e emocionar faz dele um dos grandes filmes de terror de 2024.
Nota: 4/5
O filme perde um ponto por sua falta de coesão narrativa e inovação em relação aos predecessores, mas sua ambição e execução técnica são dignas de aplausos.
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