Minha Crítica de Mickey 17 (2025): Uma Ficção Científica Ambiciosa que Tropeça em Sua Própria Ambição
Mickey 17, dirigido pelo renomado Bong Joon-ho, é um filme que chega com o peso de grandes expectativas. Após o fenômeno de Parasita (2019), que conquistou o Oscar e consolidou o cineasta sul-coreano como um dos nomes mais inventivos do cinema contemporâneo, o público aguardava ansiosamente por sua nova incursão, desta vez no território da ficção científica de grande orçamento. Baseado no romance Mickey 7 de Edward Ashton, o filme promete uma mistura de humor ácido, crítica social e questionamentos existenciais, embalados em um pacote de blockbuster com Robert Pattinson no papel principal. Contudo, apesar de seus méritos inegáveis, Mickey 17 é uma obra que parece lutar para equilibrar suas múltiplas ambições, resultando em uma experiência que fascina e frustra em medidas quase iguais.
A trama se passa em um futuro distópico, no ano de 2054, onde a humanidade enfrenta as consequências de suas próprias ações, como mudanças climáticas e desigualdades sociais extremas. Mickey Barnes (Robert Pattinson), um homem comum sem grandes qualificações, foge de uma dívida com um agiota e se alista como um "Descartável" em uma missão de colonização do planeta gelado Niflheim. Nesse papel, ele é submetido a tarefas suicidas, já que, ao morrer, sua consciência é transferida para um novo corpo clonado, mantendo suas memórias (ou a maior parte delas). A narrativa ganha complexidade quando Mickey 17, após ser dado como morto, retorna à base e descobre que seu clone, Mickey 18, já foi criado, desafiando as regras da missão e levantando questões sobre identidade, ética e exploração.
Bong Joon-ho, conhecido por sua habilidade em mesclar gêneros e tecer críticas sociais afiadas, traz para Mickey 17 sua assinatura característica. O filme é, em essência, uma sátira anticapitalista que escancara a desumanização do trabalhador em um sistema que o trata como mero recurso descartável. A metáfora da clonagem é poderosa: Mickey é literalmente "reimpresso" para servir aos interesses de uma missão liderada por Kenneth Marshall (Mark Ruffalo), um político autoritário cujos trejeitos evocam figuras reais como Donald Trump e Elon Musk. A crítica ao colonialismo também é evidente, com os colonizadores tratando os nativos de Niflheim, os Creepers, como ameaças a serem eliminadas, ignorando sua existência como seres sencientes. Esses temas, tão caros à filmografia de Bong, são apresentados com a habitual inteligência do diretor, mas, aqui, parecem diluídos em uma narrativa que tenta abraçar ideias demais.
Um dos grandes trunfos do filme é a atuação de Robert Pattinson, que mais uma vez prova sua versatilidade. Interpretando tanto Mickey 17 quanto Mickey 18, ele consegue diferenciar as duas versões do personagem com sutileza impressionante. Mickey 17 é ingênuo, quase infantil, carregando a insegurança de alguém que sabe ser descartável, enquanto Mickey 18 é mais cínico e revoltado, refletindo o despertar de uma consciência contra o sistema opressivo. Pattinson alterna entre esses tons com facilidade, trazendo humor e humanidade a um papel que poderia facilmente cair na caricatura. Sua performance é o coração do filme, especialmente nas cenas em que os dois Mickeys interagem, criando momentos de tensão e comédia que são tecnicamente impecáveis, graças a efeitos visuais convincentes.
O elenco de apoio também entrega atuações sólidas, embora nem todos os personagens sejam bem aproveitados. Naomi Ackie, como Nasha Barridge, a agente de segurança e interesse amoroso de Mickey, traz carisma e profundidade, mas sua personagem é subdesenvolvida, servindo mais como um dispositivo narrativo do que como uma figura plenamente explorada. Steven Yeun, como Timo, o amigo de Mickey, oferece momentos de leveza, mas sua trama secundária parece desconexa do arco principal. Mark Ruffalo, por outro lado, abraça o exagero como Kenneth Marshall, entregando uma caricatura que, embora funcional para a sátira, às vezes soa forçada e unidimensional. Toni Collette, como Ylfa, esposa de Marshall, rouba as cenas em que aparece, com uma energia magnética que mistura humor e ameaça, mas, novamente, o roteiro não lhe dá espaço suficiente para brilhar.
Visualmente, Mickey 17 é um espetáculo. O design de produção cria um universo futurista crível, com a frieza estéril da nave contrastando com a hostilidade gelada de Niflheim. Os Creepers, criaturas nativas do planeta, são um destaque, com um design que evoca tanto fascínio quanto empatia, reforçado por um trabalho de som que sutilmente incorpora elementos orgânicos, como latidos de cachorros, para humanizá-los. A trilha sonora de Jung Jae-il, colaborador recorrente de Bong, adiciona camadas de tensão e ironia, complementando o tom do filme. No entanto, os efeitos visuais, embora impressionantes em muitos momentos, apresentam inconsistências em certas cenas, o que pode tirar o espectador da imersão.
O maior problema de Mickey 17 está em seu roteiro e ritmo. Com 2 horas e 19 minutos, o filme sofre com uma narrativa que se dispersa em subtramas que não são plenamente desenvolvidas. A crítica social, embora potente, é apresentada de forma um tanto óbvia, com referências explícitas a figuras políticas contemporâneas que podem soar datadas ou exageradas. O humor, uma marca de Bong, é irregular: enquanto algumas cenas, como as falhas da máquina de clonagem comparada a uma impressora defeituosa, arrancam risadas genuínas, outras caem no exagero infantil ou não encontram o tom certo. A narração em off, usada para transmitir os pensamentos de Mickey, muitas vezes parece redundante, explicando o que as imagens já mostram, o que dá ao filme uma sensação de falta de confiança no público.
Além disso, a promessa de explorar questões profundas sobre clonagem e identidade é apenas parcialmente cumprida. O conceito de múltiplos Mickeys, cada um com nuances de personalidade, é fascinante, mas o filme não mergulha o suficiente nas implicações éticas e filosóficas dessa premissa, preferindo focar em sequências de ação e comédia que, embora divertidas, diluem o impacto temático. O terceiro ato, em particular, parece apressado, com resoluções que sacrificam a coerência narrativa em prol de um clímax mais palatável para o grande público. É como se Bong, ao tentar equilibrar sua visão autoral com as demandas de um blockbuster hollywoodiano, tivesse feito concessões que comprometem a força de sua mensagem.
Comparado a Parasita ou Expresso do Amanhã, Mickey 17 não atinge o mesmo nível de coesão ou impacto. Enquanto aqueles filmes conseguiam entrelaçar crítica social, drama e humor em narrativas precisas, aqui o diretor parece sobrecarregado pela escala da produção e pela pressão de entregar um sucesso comercial. Ainda assim, o filme está longe de ser um fracasso. Ele é instigante, visualmente rico e carrega momentos de brilho que lembram por que Bong Joon-ho é um mestre em sua arte. A atuação de Pattinson, aliada à ambição temática e ao talento técnico do diretor, faz de Mickey 17 uma experiência que vale a pena, mesmo que não alcance as alturas de seus predecessores.
Em última análise, Mickey 17 é um filme que reflete as tensões entre a visão autoral de Bong Joon-ho e as expectativas de um blockbuster de Hollywood. Ele é corajoso em sua crítica ao capitalismo, ao colonialismo e à desumanização do trabalho, mas tropeça em sua execução, com um roteiro que tenta fazer muito e acaba entregando menos do que promete. Para os fãs do diretor, é um lembrete de sua capacidade de provocar e entreter, mas também uma prova de que até os maiores cineastas podem se perder quando tentam equilibrar arte e comércio. Mickey 17 não é o novo Parasita, mas é um filme que, com suas falhas e virtudes, ainda ressoa com a voz única de um dos maiores diretores da atualidade.
Nota: 3,5/5
O filme tem méritos significativos, como a atuação brilhante de Robert Pattinson, a direção visualmente impressionante de Bong Joon-ho e a crítica social relevante, mas é prejudicado por um roteiro irregular, ritmo inconsistente e uma exploração superficial de suas ideias mais profundas. Vale a pena assistir, especialmente para fãs do diretor ou do gênero de ficção científica, mas não atinge o impacto de obras-primas anteriores de Bong.
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