Minha Crítica: A Mulher no Jardim
A Mulher no Jardim (2025), dirigido por Jaume Collet-Serra, é uma obra que se aventura corajosamente pelo terreno do terror psicológico, mas tropeça em sua própria ambição, resultando em um filme que é ao mesmo tempo intrigante e frustrante. Produzido pela Blumhouse, conhecido por sua abordagem econômica e eficaz ao gênero de terror, o longa tenta transcender os clichês do horror convencional ao entrelaçar temas profundos como luto, depressão e reparação histórica. No entanto, sua execução irregular e a incapacidade de equilibrar o suspense com o simbolismo deixam a sensação de um potencial não plenamente realizado. Com uma premissa envolvente, atuações marcantes e uma estética visual impressionante, o filme promete mais do que entrega, mas ainda assim oferece momentos de reflexão que merecem ser considerados.
A trama acompanha Ramona (Danielle Deadwyler), uma viúva devastada pela perda do marido, David (Russell Hornsby), em um acidente de carro que também a deixou gravemente ferida. Isolada em uma casa rural com seus dois filhos, Taylor (Peyton Jackson) e Annie (Estella Kahiha), Ramona enfrenta não apenas a dor física de sua perna machucada, mas também o peso emocional do luto e a responsabilidade de manter a família unida. A dinâmica familiar é tensa: Taylor, um adolescente rebelde, carrega ressentimentos, enquanto Annie, a caçula, tenta encontrar normalidade em meio ao caos. O equilíbrio precário dessa rotina é abalado pela aparição de uma misteriosa mulher vestida de preto (Okwui Okpokwasili), que surge no jardim da casa, inicialmente imóvel, mas progressivamente mais ameaçadora, com mensagens enigmáticas e uma presença que desafia a lógica.
Desde o início, A Mulher no Jardim estabelece um tom opressivo, muito graças à direção segura de Collet-Serra e à fotografia de Pawel Pogorzelski, que transforma o cenário rural em um espaço claustrofóbico e inquietante. Pogorzelski, conhecido por seu trabalho em Midsommar e Hereditário, utiliza a luz natural de forma magistral, criando contrastes entre a aparente serenidade do campo e a tensão que permeia a narrativa. A figura da mulher no jardim, com sua silhueta escura e véu, é um elemento visual poderoso, que evoca tanto o gótico americano quanto metáforas psicológicas. A escolha de ambientar grande parte do filme à luz do dia, em vez da escuridão típica do terror, reforça a sensação de vulnerabilidade: não há como escapar da ameaça, mesmo sob o sol.
A força dramática do filme repousa nos ombros de Danielle Deadwyler, que entrega uma performance magnética e multifacetada. Ramona é uma protagonista complexa, cujas camadas de dor, culpa e resiliência são transmitidas com uma intensidade contida. Deadwyler brilha nos momentos de silêncio, onde um olhar ou uma hesitação dizem mais do que qualquer diálogo. Sua química com os jovens atores Peyton Jackson e Estella Kahiha é outro ponto alto, especialmente nas cenas que exploram as tensões familiares. Okwui Okpokwasili, como a mulher misteriosa, é igualmente impactante, usando sua presença física e expressividade mínima para criar uma figura que é ao mesmo tempo etérea e aterrorizante.
O roteiro de Samuel Stefanak começa com uma premissa promissora, ancorada no tropo clássico do terror de casarão isolado, mas com um toque de originalidade ao colocar uma família negra no centro de uma narrativa gótica, um espaço historicamente reservado a personagens brancos. Essa escolha ressoa com a crítica social implícita no filme, que sugere uma reparação histórica ao dar voz e agency a Ramona em um ambiente carregado de simbolismo racial. A mulher no jardim pode ser lida como uma manifestação do luto de Ramona, mas também como um eco do deslocamento racial que marca a história americana, uma ideia que remete a Corra! de Jordan Peele, mas sem a mesma clareza ou impacto.
No entanto, é na tentativa de equilibrar o terror sobrenatural com o drama psicológico que A Mulher no Jardim começa a fraquejar. O primeiro ato é envolvente, com uma construção lenta e meticulosa da tensão. A presença da mulher no jardim, inicialmente enigmática, cria uma sensação de mistério que prende o espectador. Mas, à medida que o filme avança, o roteiro se perde em um excesso de simbolismo. A narrativa abandona o suspense em favor de uma abordagem mais abstrata, tentando abordar temas como depressão, maternidade e saúde mental, mas sem a precisão necessária para tornar essas metáforas coesas. O terceiro ato, em particular, é confuso, com reviravoltas que parecem desconexas e um final ambíguo que, embora provoque reflexão, deixa muitas perguntas sem resposta.
A comparação com O Babadook (2014) é inevitável, já que ambos os filmes utilizam uma entidade sobrenatural como metáfora para o luto. Contudo, enquanto O Babadook mantém um equilíbrio entre o horror e a emoção, A Mulher no Jardim parece hesitar entre ser um terror atmosférico ou um drama introspectivo, sem se comprometer totalmente com nenhum dos dois. A direção de Collet-Serra, embora tecnicamente competente, não consegue compensar as falhas do roteiro, e o filme perde força à medida que tenta carregar mais camadas simbólicas do que sua estrutura suporta.
Ainda assim, há momentos de brilho que merecem destaque. A trilha sonora, composta por Lorne Balfe e Ayanna Witter-Johnson, é sutil, mas eficaz, amplificando a tensão sem recorrer a clichês de jump scares. A escolha de ambientar a história em um espaço isolado, desconectado do mundo moderno, reforça a sensação de desamparo e dá ao filme uma qualidade atemporal. Além disso, a exploração do luto como um processo coletivo, e não apenas individual, adiciona uma camada de profundidade que ressoa em um momento cultural onde a saúde mental é um tema cada vez mais discutido.
A Mulher no Jardim é um filme que tenta ser mais do que um simples terror, e essa ambição é tanto sua maior qualidade quanto seu maior defeito. Ele acerta ao criar uma atmosfera inquietante e ao oferecer uma performance central poderosa, mas falha ao tentar conciliar suas aspirações conceituais com uma narrativa coesa. O resultado é uma obra que fascina em momentos, mas frustra em outros, deixando o espectador com a sensação de que havia um filme ainda mais potente escondido nas sombras.
Nota: 3/5
O filme é uma experiência visual e emocionalmente rica, sustentada por uma atuação excepcional de Danielle Deadwyler, mas sua narrativa confusa e final insatisfatório impedem que alcance seu pleno potencial. Vale a pena para fãs de suspense psicológico que apreciam obras mais contemplativas, mas pode desapontar aqueles que buscam um terror mais direto ou sustos mais intensos.
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